29 agosto 2008

Ele morreu

Estava triste e desolado em meio a confusões e conturbações que haviam em sua vida e sua cabeça.
Ninguém notou, não se fez nenhum alarde. Andava em meio à multidão de uma rua movimentada em sua metrópole natal. Simplesmente caiu morto, não se sabe quem foi, mas alguém chamou o rabecão que o foi recolher.
Não se sabe de que, a causa-mortis não passa pela cabeça de ninguém, mas o fato é que ele morreu. Mas isso não é nada e nem tão pouco é muito triste ou preocupante, o triste é ninguém ter se importado com a morte dele. O triste é pensar que talvez sua morte e sua vida tenham sido em vão.
Ele tinha mais ou menos 30 anos, cabelos longos, 1,70m, pele clara, barba grande, uma aparência meio hippie.
Refletindo percebi, o cara caiu morto ali há mais ou menos meia hora, foi recolhido pelo rabecão e ninguém procurou saber nada a respeito. Fiquei triste em saber que poderia ser eu ali estendido no chão, morto, o que não seria nada absurdo, a morte nunca me amedrontou, porém me senti extremamente mal em saber que eu posso morrer no meio da rua e isso não representar absolutamente nada, ninguém iria parar para me dar auxilio e tentar salvar minha vida, se é que eu ainda teria vida.
No máximo o que eu teria seria uma nota no jornal relatando minha humilde morte, e com sorte alguém leria e exclamaria: “Ele morreu”.

26 agosto 2008

O Homem Nú

Esse titulo é o nome de uma música que fala sobre uma pessoa que perdeu todos os valores, mas acredita que ainda existe reação.

O Homem Nu
Dead Fish

O homem nu estava preso, o homem nu se libertou
o homem nu está aqui, o homem nu te faz tão mal
por que tanto desconforto com o homem nu
seria medo da liberdade ou de quebrar seus próprios tabus?

preso voluntário em armadilhas culturais
engessado no passado, confortável irracional

o homem nu assaltou um banco, o homem nu perdeu a razão
ontem ele matou o homem branco mas acertou em cheio a moral
ele vai destruir o que foi construído, vai se entregar mas sem nenhum objetivo

finja se orgulhar de seu futuro promissor
encha de vazio o teu vazio interior

o homem nu subiu ao palco e fez o que você não quis
o homem nu não te tocou mas você se sentiu invadido
ele pode te ver, mas você não
o homem nu rasgou a bíblia mesmo não tendo religião

você é livre , você é bom
dispa-se e me ignore!

É isso,
pela vida à fora as vezes nos deparamos com alguns "homens nus" e ai em geral se tem pena do cara, porque ele é louco, porque ele ta pelado, porque ele não quer ter a roupa da moda que você trabalhou duro para conseguir, entre outras coisas. Mas o que não se consegue alcançar é que talvez o homem nu seja muito mais feliz do que você, tenha muito mais liberdade do que você e talvez faça tudo aquilo que você tem vontade de fazer mas não tem coragem!

É isso ai,
estou tirando minha bermuda agora.

24 agosto 2008

Olim piadas

As olimpiadas acabaram,
eu já estava ficando de saco cheio. Achei bom acabar, pois estava detestando esses jogos.

Porra,
o Brasil perdeu em um monte de modalidade que era favorito. Tá, eu sei que não temos estrutura, insetivo, nem nada, mas de qualquer jeito, mesmo contando com isso, eu achei que fomos horrivéis.

Acho meio ridiculo patriotismo cego,
eu gosto de esportes, mas to longe de ser patriota, torço pro time e tal, mas já achei que tal jogo foi ruim, e que o time tava jogando mal e torci pro Brasil perder!

É isso,
e eu não vi nada de especial na abertura, que foi narrada na Globo como se fosse algo especial.

Chega.

21 agosto 2008

Hoje não vai dar, vou beber até cair - Escravo

Escravo
Mula Manca & a Fabulosa Figura
Composição: Castor Luiz


Hoje não vai dar
Vou beber até cair
Até lamber seus pés
Preciso me humilhar
E ser só coração
Ou levá-lo numa bandeja
Pra ver se você se comove
E ele bate
Bate o seu nome
Implora sua boca
Canta sua canção
Feito cão
Longe do dono
Alheio ao pudor de ser teu escravo
Alheio ao pudor de ser teu escravo


Não sabia o que escrever e lembrei dessa música, que achei que ocuparia menos espaço, pois cantando ela é tão pequenininha, rs.

Bem, vamos ao assunto:

Eu não falarei aqui em poucas (pois não sei muito o que falar e não tenho muito tempo) palavras sobre a escravidão dos negros que me faz ter vergonha (não é só isso que me faz ter vergonha) de ser um ser humano. Falarei das pessoas que se tornam escravas de alguém ou alguma coisa, muitas vezes sem perceber.

A pessoa corta o cabelo, se veste de outra forma, age de maneira diferente, passa a deixar de lado as coisas que fazia, gostava (ou ainda gosta) para agradar o parceiro, o chefe, ou para ser mais bem visto em determinado grupo, ou para ser aceito em determinado grupo.

Há casos, pelo menos um (que é o que eu conheço), em que a pessoa tem uma condição financeira muito diferente do grupo em que esta saindo, e eles gastam muito mais do que essa pessoa poderia gastar de maneira responsável, porém, como ela não quer se sentir inferiorizada ela gasta mais do que poderia, e depois fica enrolada para pagar as despesas. E no entanto, pode ser que esse grupo não esteja nem ai por ela ter uma situação econômica diferente da deles, se precisar eles arcariam com as despesas dela sem problema, mas ai ela se sentiria inferiorizada e não aceitaria.

Bem, pra mim, isso pode ser considerado escravidão.

Muitas vezes as pessoas não percebem e vão se tornando escravas de diversas coisas ou até mesmo de pessoas e quando percebem (se é que percebem) não conseguem se libertar dos seus "senhores", não conseguem a sua carta de alforria, e as vezes serão escravos até sua morte.

18 agosto 2008

Nostalgia

É, aquele tempo era bom e eu não sabia, se eu soubesse como seria meu futuro, teria vivido com mais intensidade todos os momentos, até mesmo os mais simples, para tentar gravar na memória com o maxímo de detalhes possíveis, mas não o fiz.

Hoje, vira e mexe estou me lembrando do que se passou, de quem passou, de como poderia ter sido, de como foi e de como hoje é.

Tem aquela velha e conhecida frase: "Se eu pudesse voltar no tempo", se eu pudesse voltar, como eu já pensei nisso, tantas vezes. Eu voltaria para infância, sem duvida nenhuma a melhor fase da minha vida, fase essa que em geral as pessoas quando adultas desprezam, e falando de modo grosseiro acham que só passaram a ser alguém, a ter importância, quando adultos, a infância foi só uma passagem inútil. Bem, eu não seria o que sou hoje se não fosse minha infância.

E é por isso que eu gostaria de voltar no tempo, até comunidade no Orkut eu fiz, relatando essa nostalgia.

Também tenho que falar de todas as coisas desperdiçadas, opurtunidades, coisas, decisões, momentos e pessoas, que por um motivo ou outro fiz as opções erradas, e hoje as vezes parece nem opção ter mais.

Hoje logo de manhã eu entrei no Orkut, pois tinha que escrever pr'uma pessoa, que pelo que me foi dito esta meio confusa e precisa de ajuda, e me pediram para que eu tentasse ajudar. É incrivel, mas as pessoas me pedem ajuda, algumas dizem que eu ajudei muito, e eu no entanto sou uma pessoa muito (quase que completamente) perdida, que tenta de alguma forma não transparecer isso. Bem, feito isso, acabei passando depois em dois outros perfis, um de uma pessoa que não tenho quase nenhum contato, mas que por um tempo (justamente pela falta de contato) me levou a ter certo interesse sobre ela, interesse esse de saber a respeito e tal, nada do lado atrativo, se bem que em certo momento acho que até se tornou atração, mas finalmente quando eu a reencontrei, ela voltou a ser uma pessoa normal, já a outra eu convivi muito tempo.

Entrei no perfil dela por que deu vontade de escrever pra ela, perguntar como ela ta e tal, assim foi feito. Ai fui ver as fotos dela, e vi um monte de foto da minha época, com muitos amigos antigos e tudo mais, e bateu aquela saudade, e aquela pergunta: "por que eu me tornei o que hoje eu sou?"

É isso,
já há alguns anos a minha vida é cheia de lembranças, mas no presente...

"What you've become
Just as I have
Are you and i so unalike?"

"O que você se tornou
Assim como eu
Somos você e eu tão diferentes?"

Dave Matthews Band

15 agosto 2008

Quanto vale a cultura?

Acabo de ficar extremamente triste e decepcionado com o preço de um show que eu gostaria muito de ir. A Dave Matthews Band vem ao Brasil, após 7 anos, e essa noticia havia me deixado feliz pra caralho, pois gosto muito da banda e nunca tive a oportunidade de vê-los ao vivo. Mas toda essa felicidade caiu como um muro por cima de mim, ao receber a confirmação do show. Na verdade, junto com a confirmação veio um êxtase orgasmatico que quase me levou a atingir o nirvana (não, não é com N maiúsulo, pois não falo da banda. Você pode ver a definição aqui ou aqui [esse é mais curto e direto]). Ao chegar na tabela de preços o êxtase virou decepção, o ingresso para pista (leia-se: o mais merda, o mais barato) sai pela bagatela de R$240,00. Com isso as chances d'eu ir ao show são pequenas.

Como já estou há alguns dias sem escrever aqui (estou com problema no computador de casa, como normalmente escrevo a noite, não estou escrevendo esses dias), resolvi escrever sobre os preços relacionados a cultura.

A tecnologia esta cada vez mais barata e acessivel. Computadores cada vez mais modernos e proporcionalmente mais baratos, televisões, cada vez mais canais nas tvs por assinatura, a vinda da tv digital, celulares que fazem cada vez mais coisas a preços mais acessiveis, entre outras coisas, sem falar nas coisas que eu não tomo conhecimento por não serem do "meu mundo".

Porém os preços de peças de teatro, shows, revistas, livros, entre outras coisas relacionadas a cultura estão cada vez mais caros. Ai depois falam que o povo brasileiro é sem cultura e que não liga pras coisas que tem.
Também, querem o que?
Eu até concordo em parte, que muita gente não liga pra cultura, em especial a parte de literatura e artes, porém os poucos que lingam se deparam com vários obstáculos, como a falta de acesso, exemplificando: os museus são poucos, as bibliotecas excassas, o teatro é caro, o hábito da leitura normalmente não é criado nas escolas, entre outras coisas.

E falando da parte músical, nós perdemos alguns festivais que aconteciam no passado, e os que temos hoje são muito mais caro do que antigamente. O que anda falando cada vez mais alto é o dinheiro, e as pessoas que gostam de cultura só perdem, os que não ligam para cultura não perdem nada, e além disso as pessoas que gostam e não tem condições de ir aos lugares, shows e eventos, só se fodem. É engraçado ver que quando o dollar estava a 3 e pouco você ia há um show internacional por 70 reais (inteira), hoje que o dollar esta a menos de 2 reais, você paga 200 reais (inteira) pela entrada.

"É assim que se faz a construção, tijolo à tijolo, dinheiro à dinheiro"
Lucas Santtana

11 agosto 2008

Reflexões Sobre Um Tempo Perdido

(Eu nem sei como classificar isso, poesia não é, nos meus * Textos* também não se enquadra, e também não é um simples devaneio)

Eu acho que assim, não sei, talvez deviríamos mudarmo-nos para tentarmos ser pessoas melhores,
Mas você não concordou, achou que esta coisa, de querer ser melhor era besteira,
Disse-me que eras o que era e não estava afim de mudar, e que eu procurasse entender,
Eu entendi e respeitei, me contive em meio a seus atos,
Respeitei suas opções, não critiquei o que achava errado, fiquei calado,
E lhe dei carinho, amor e afago,
Em troca só recebi criticas e brigas,
Você só via o seu lado, a mim, só enxergava quando era de seu agrado, nos demais atos, eu era ignorado,
Eu juro que tentei, em geral as pessoas só fazem o que é de seu agrado,
Mas você sabe que eu não sou assim, que eu faço o possível ao meu alcance para que as coisas saiam da melhor maneira,
Mas, as coisas que esperava de você não aconteciam,
A tal da reciprocidade nunca acontecera em nossas vidas, os papeis em nossa relação sempre foram bem determinados,
Você pedia e eu atendia,
Eu iludido esperava e apenas me desgastava,
Você dizia que já era assim quando eu te conheci,
Eu disse que não, quando lhe conheci, você sem saber me encantou,
Emanava de você o amor e a paz,
Hoje, só vejo rancor,
Cansei,
Não quero mais saber de nossa relação,
Que só me desgastou e nada de bom ficou, na memória, apenas o tempo perdido e os sonhos esquecidos,
Sozinho agora eu vou tentar viver.

08 agosto 2008

Chegou meu cartão do doador

Como eu havia dito aqui, eu fiz meu cartão doador e o recebi hoje, abri a correspondência tem 10 minutos. Então a partir de agora caso eu morra, já terá algo de útil para algumas pessoas (assim eu espero).

“A Filosofia aparece a alguns como um meio homogêneo: os pensamentos nascem nele, morrem nele, os sistemas nele se edificam para nele desmoronar. Outros consideram-na como certa atitude cuja adoção estaria sempre ao alcance de nossa liberdade. Outros ainda, como um setor determinado da cultura. A nosso ver, a Filosofia não existe; sob qualquer forma que a consideremos, essa sombra da ciência, essa eminência parda da humanidade não passa de uma abstração hipostasiada.”
Jean-Paul Sartre (1905 - 1980)

E pensem nisso:

"Como foi visto no mundo de 2020 a carne só será vista num livro empoeirado na estante"
Nação Zumbi

07 agosto 2008

O Menino Que Mentia Pra Sonhar

Contarei a estória de um menino muito triste, sem amigos, muito...sozinho, que cresceu muito amargurado, triste por não ter uma história bonita pra contar.

Vindo de uma família de grandes posses, o menino sempre teve tudo que quis, tudo que pedia a seus pais era atendido, além de bens materiais, sempre teve também muito amor e carinho, até o dia em que completou seus 13 anos.

Aos 13 anos ele finalmente notou o quão sozinho ele era, não tinha amigos para brincar nem conversar, como companhia havia apenas seus pais, seus brinquedos, sua imaginação e seus livros. Mas tudo mudou quando ele leu um livro em que contava a estória de uma menina que com uma imaginação muito fértil que sonhava acordada e viva em um mundo mágico através das mentiras.

O menino gostou da estória e resolveu fazer o mesmo. Sua primeira providencia foi pedir a seu pai que construísse uma grande e bela casa na arvore. Seu pai ordenou a tarefa a algum de seus empregados e assim foi feito, com a casa pronta ele levou seus livros e alguns cadernos e canetas para poder escrever suas estórias e sonhar, passava grande parte de seu dia na casa da arvore, só descia quando seus pais lhe chamavam ou quando tinha de ir para escola, antes de partir re-lia suas estórias. Passou a ser muito feliz, vivia tão profundamente suas próprias estórias que passou a acreditar que aquilo tudo era verdade, seus colegas do colégio no inicio ficaram desconfiados, mas nunca descobriram nada.

Ele viveu 8 anos da mais profunda felicidade, chegou a esquecer como era se sentir sozinho. Seus livros foram mudando ao longo dos anos, passou a ler estórias mais maduras que condiziam com sua atual idade, se tornou um rapaz muito inteligente e culto. Em seu ambiente de estudo, que agora era uma universidade, ele era muito admirado por sua sabedoria e desenvoltura em diversos assuntos, até mesmo os mais específicos e complicados. Muitos tentavam e gostariam de se aproximar e tornar-se amigos dele, porém ele sempre dizia que já tinha muitos amigos e que estava ali só para os estudos, preferia ser um anti-social em seu ambiente de trabalho. E assim foi por todo o período de seu curso.

Aos 21 anos, ele percebeu o quanto ele era sozinho e levava uma vida de mentiras, que esses 8 anos de pura felicidade foram totalmente falsos, e isso o trouxe de volta uma profunda sensação de solidão. Então ele decidiu que nunca mais ia mentir e se sentir assim.

Num dia de sol, ele acordou, abriu a janela de sua casa na arvore,
Olhou,
Pensou,
Decidiu parar de mentir,
Respirou fundo,
Pulou e se matou,
Acabando assim com sua vida de mentiras. E enquanto respirou torceu para que morrer fosse mais fácil do que viver.

04 agosto 2008

A Ruiva

Ela passa pela rua e logo chama atenção,
Cabelo cor-de-fogo, fios rubros,
Pele branca, me parece nunca ter sido exposta ao sol,
Jeito tímido com ar de intelectual,
Roupas recatadas escondem o que o seu corpo tem para mostrar,
Por onde ela passa todos olham


Lê Nietzsche e recita Drumonnd,
Narra Machado de Assis,
Quando quer elogiar usa Ferreira Gullar,
Passa horas a filosofar,
À noite, antes de se deitar se abre com Freud,
E de manhã ao acordar discute psicologia com Jung

Ô, a ruiva,
Como ela me encanta,
Sua inteligência me deixa paralisado,
Seu delicado corpo me deixa excitado,
Seu jeito tímido e recatado me deixa distanciado,
Seu conhecimento e seu nível intelectual me deixam recuado

E eu?
Apaixonei-me pela ruiva, por quê?
Sou feio e me visto mal,
Não tenho perfil de intelectual,
Não passei pra federal,
Nada sei de poesia ou filosofia,
A única coisa culta que me lembro agora é de Maquiavel,
“Só sei que nada sei”,
Pelo menos posso dizer que sei,
Sei que essa paixão é inútil,
E a vida me ensinou que não adiantar sonhar

Chega de idealizar,
Vou estudar e ler,
E rezar para o que eu aprender poder levar comigo depois de morrer,
E quem sabe numa próxima vida,
A ruiva, eu possa conquistar.

03 agosto 2008

A Igreja Do Diabo - Machado de Assis

Já estava há uns dias sem postar e decidi que tinha que postar hoje, mas como não me veio nada a cabeça, decidi colocar um conto do livro que eu separei pra ler um dia, Contos Sagrados de Machado de Assis, mas antes tenho que terminar de ler o livro que eu tô lendo, e pra isso (infelizmente) no meu caso é preciso silêncio quase (eu prefiro que seja totalmente) absoluto, coisa que é bastante difícil de se conseguir fora da madrugada, e como eu já disse aqui mesmo nesse blog com se eu não me engano 4 leitores dormir é para os fracos, e eu sou um fracote anêmico.


A IGREJA DO DIABO

CAPÍTULO I

DE UMA IDÉIA MIRÍFICA

Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.
- Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.
Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a idéia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo: - Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul.

II
ENTRE DEUS E O DIABO

Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-no logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor.
- Que me queres tu? perguntou este.
- Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos.
- Explica-te.
- Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros...
- Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura.
- Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa idéia, não vos parece?
- Vieste dizê-la, não legitimá-la, advertiu o Senhor,
- Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental.
- Vai
- Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra?
- Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja?
O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma idéia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje da memória, qualquer coisa que, nesse breve instante da eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse:
- Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê- las todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura...
- Velho retórico! murmurou o Senhor.
- Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, - a indiferença, ao menos, - com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, - ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em coisas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos...
Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica, Deus interrompeu o Diabo.
- Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?
- Já vos disse que não.
- Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão?
- Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega.
- Negas esta morte?
- Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los...
- Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai; vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai!
Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.


Ill
A BOA NOVA AOS HOMENS

Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito contavam as velhas beatas.
- Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil a airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo...
Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada.
Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada: "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu"... O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento.
As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de eloqüência, toda a nova ordem de coisas, trocando a noção delas, fazendo amar as perversas e detestar as sãs.
Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no obscuro e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente. E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele.
Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regímen: "Leve a breca o próximo! Não há próximo!" A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra coisa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação, por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: - Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi incluído no livro da sabedoria.


IV
FRANJAS E FRANJAS

A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo.
Um dia, porém, longos anos depois, notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros.
A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente o mal, e viu que lavrava muito. Alguns casos eram até incompreensíveis, como o de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e, com o produto das drogas socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogomano; roubou-o, com efeito, à vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá. O manuscrito beneditino cita muitas outra descobertas extraordinárias, entre elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinqüenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estátuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meter-se na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. O Diabo mal pôde crer tamanha aleivosia. Mas não havia duvidar; o caso era verdadeiro.
Não se deteve um instante. O pasmo não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma coisa análoga ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse:
- Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.

Fonte: Contos Consagrados - Machado de Assis - Coleção Prestigio - Ediouro - s/d.